Django, o real e o fantasioso.

J. B. Pessoa. 

Um dos maiores fenômenos de bilheteria do cinema, nos anos 60, foi o filme italiano, do diretor Sergio Corbucci, intitulado Django. Esse famoso faroeste de 1966, de gênero prolífico, gerou uma sequência de filmes inferiores, que deram ênfase ao chamado, pejorativamente, western spaghetti, o qual influenciou, também, outros países, os quais passaram a produzir, com relativo sucesso, temas originários da história estadunidense.   

Após a decadência do faroeste americano, tão popular nas décadas anteriores, o bang bang à italiana renovou a popularidade do estilo e reinou absoluta entre a garotada de todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos, durante os anos de 1964 a 1973, influenciando, também, as produções de Hollywood.

Ambientado no Sudoeste Americano, perto da fronteira mexicana, o filme Django modificou um estilo, dando uma visão irrisória de uma situação inadequada à realidade. O objetivo primordial do subgênero italiano era o lucro; cujas produções de baixos orçamentos rendiam milhões aos seus produtores, para os quais não importava o conteúdo histórico e nem a originalidade das personagens e sim suas performances, baseadas numa violência generalizada e o uso abundante de sangue.

Não tendo nenhuma preocupação com a substância fundamental de um ambiente sociopolítico e histórico, a personagem que saiu da imaginação dos cinco roteiristas de Django não tinha nenhum critério de avaliação. Tanto assim que, segundo alguns críticos da época, o figurino da personagem Django foi baseado na figura de Antonio das Mortes, personagem do filme de Glauber Rocha “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, cuja obra está incluída entre os 100 maiores filmes mundiais de todos os tempos. Verdade ou não, se a afirmação dos críticos é verdadeira; pois, dentro da visão hollywoodiana, o figurino criado para a personagem Django parece, muito mais, com um nordestino brasileiro, do que um tipo cowboy do oeste americano. Além disso, o fato de Django aparecer puxando um caixão de defunto é semelhante a uma história do cordel nordestino. Aliás, aqui em nossa região há um relato que, segundo os mais velhos, certa viúva foi obrigada a puxar o caixão do marido falecido até o cemitério, pois o finado era tão ruim, que os membros da comunidade em que ele vivia, recusaram-se a carregá-lo até a sua última morada.

Se, realmente, o tipo físico de Django do cineasta Sergio Corbucci foi baseado na figura de Antonio das Mortes, não sabemos com certeza: contudo, o que a maioria dos cinéfilos desconhece é que a personagem Antonio das Mortes foi baseada em um protagonista real e histórico do Nordeste Brasileiro.  Trata-se do oficial da polícia baiana Coronel José Osório de Farias, mais conhecido com Zé Rufino, matador de cangaceiros.

Segundo o depoimento do escritor e pesquisador Rostand Medeiros, em seu trabalho “No Roteiro do Cangaço”, em 1960 o jornalista Glauber Rocha, a serviço do jornal baiano Diário de Noticias, partiu de Salvador a Jeremoabo, no Sertão da Bahia, acompanhado do cineasta Trigueirinho Neto, do ator Geraldo Del Rey e do acadêmico Antonio Guerra para entrevistar o famoso policial, guerreiro das caatingas nordestinas, o qual abateu Corisco, o último dos cangaceiros. Glauber voltou satisfeito da entrevista com um farto material de pesquisas, o qual muito o ajudou a compor a sua trilogia cinematográfica sobre o cangaço. A vida do Coronel José Osório de Farias, o famoso Zé Rufino, está contida na vasta literatura sobre o cangaço e no folclore do povo nordestino. Célebre por haver abatido, em combate corpo a corpo, mais de vinte famigerados cangaceiros, inclusive a Cristino Gomes da Silva, o famoso Corisco, também conhecido como “O Diabo Louro”, o Coronel José Osório de Farias dizia que detestava a polícia na sua juventude. O curioso é que ele era um afamado sanfonista e um bom cantor. Alguns dos seus amigos afirmavam que tudo o que ele queria, era viver a sua vida como um artista sertanejo, animando os bailes do Sertão. Como era moço e formoso atraía as moças bonitas, deixando enciumados seus noivos, os quais partiam para agredi-lo e eram surrados pelo valente sanfoneiro. Sua fama de valente e virtuose sanfoneiro atraiu a atenção de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, que por três vezes tentou arregimentá-lo para o seu bando. O jovem Zé Rufino sempre tirava o corpo fora. Não gostava da polícia “porque tinha uns cabras que não prestavam” e não gostava de cangaceiros, pois os mesmos “eram bandidos, judiavam do povo, e viviam com um fuzil nas mãos e o nome de Deus nas bocas, numa completa heresia”. Como tinha muitos parentes na polícia se alistou e no seu próximo encontro com o Rei do Cangaço foi com um parabellum na mão, trocando tiros com ele nos sertões nordestinos.  

Como podemos ver, a realidade é menos atraente do que a ficção. Django e Antonio das Mortes encantaram as plateias (embora diferentes) no mundo inteiro; enquanto um herói verdadeiro é pouco conhecido e, muitas vezes, injustiçado, devido às intolerâncias das ideologias decadentes.

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