Uma viagem no tempo da Praça Ruy Barbosa
Domingos Ailton*
No final do século XIX e primeiros anos do século XX surgiram os primeiros estabelecimentos comerciais de Jequié na Praça da Povoação ou Praça do Comércio, hoje Praça Luiz Viana. Os italianos Giuseppe (José Rotondano) e seu sócio José Niella fundaram a primeira loja em1881, que recebeu o nome de Casa Confiança dado pelo Carmine Marotta. (Carlos Marotta) em 1889. Em frente à Casa Confiança espontaneamente o povo começou a realizar uma feira livre.

Em janeiro de 1914 houve uma grande enchente, que ficou conhecida como Enchente de 14, marco histórico e divisório para Jequié. As águas do Rio das Contas subiram assustadoramente a ponto de invadir a área onde situa hoje a Praça Ruy Barbosa, que foi navegada por canoas, barcos e jangadas. “Artur Pereira, Antero Cícero dos Santos, Antônio Amaral e muitos outros quebraram lanças no sentido de que a nova cidade se erguesse no local onde hoje situa o bairro do Jequiezinho. Prevaleceu, no entanto, o ponto de vista da colônia italiana, bastante poderosa, já que dominava o comércio, que contratou o engenheiro Alberto Leal, delegado de terras, par elaborar o novo traçado. Jequié ganhou ruas largas e, de uma cidade linear, transformou-se numa urbis radial, deslocando-se pelas encostas dos morros e margens das estradas que para aqui convergiam” relata o memorialista Emerson Pinto de Araújo no livro Capítulos da História de Jequié.
A área onde é hoje hoje a Praça Ruy Barbosa era um mangueiro da firma Grillo & Marota, passou a abrigar a feira livre, que logo cresceu por conta da posição geográfica privilegiada de Jequié “como entroncamento natural de várias estradas, servindo à mata a caatinga, palmilhada por tropas e boiadas, as quais o escolheram para pousada obrigatória” como acentuou o historiador Emerson Pinto de Araújo.
Na feira livre da Praça Ruy Barbosa se encontravam com suas mercadorias os tropeiros, boiadeiros, vassoureiros, mascates, raizeiros, apanhadeiras de água e aguadeiros, os vendedores de cereais, verduras, frutas, carne do sol… Reunia também os ciganos, que além de mercar seus produtos e animais, faziam leitura das mãos. Uma cigana quis ler a mão do meu avô Iluminato, cético, ele não deixou, mas seu irmão e meu tio-avô João Ribeiro permitiu. A vidente disse que ele iria casar 7 vezes. Os irmãos riram. João Ribeiro casou 10 vezes.
Na área conhecida como Manga do Costa havia uma lagoa com muitos jacarés. O desempregado Joselino construiu uma casa de taipa e passou a caçá-los para seu sustento e de sua família, aproveitando o couro para fazer cintos para serem vendidos na feira, sendo percursor dos artesãos que têm marcado o cenário da Praça Ruy Barbosa.
A firma Grillo & Marota não tardou a construir um sobrado na Praça Ruy Barbosa, que ganhou a admiração não só dos moradores jequieeneses, mas também dos visitantes que aqui chegavam.
Em 1917 a Praça Ruy Barbosa virou um campo de batalha envolvendo Anésia Cauaçu (pioneira na participação feminina no cangaço) com o bando de cangaceiros e Tranquilino e seus jagunços. Os feirantes e consumidores correram para o Sobrado Grillo, que alojou mais de 400 pessoas inclusive o promotor e o juiz.
Na Praça Ruy Barbosa havia uma gameleira preta, que viu a cidade nascer. Em 1947 o prefeito Atenodoro Vaz da Silva mandou retirar a velha gameleira dizendo que a árvore não combinava com o estilo moderno do jardim. Liderados pelo jornalista Colombo de Novais dezenas de jequieenses fizeram o primeiro protesto ecológico da história de Jequié. . Para tentar amenizar o erro, o prefeito Atenodoro mandou transportar a gameleira em um caminhão e replantá-la nas proximidades do Rio Jequiezinho. O deslocamento foi acompanhado de discursos de protesto. A árvore transplantada não vingou. Durante mais de dois meses o fato da retirada da árvore foi pauta de reportagens e artigos nos jornais locais.
Em 2000 o ambientalista Domingos Ailton do Grupo Ecológico Rio das Contas -GERC com apoio do grupo de capoeira do mestre Nonha plantou uma gameleira da branca na Praça Ruy Barbosa, lembrando na ocasião do episódio do primeiro protesto ecológico por conta da gameleira retirada em 1947. A árvore cresceu e está frondosa.
Praça Ruy Barbosa com seus bancos foi ponto de encontro de muitos rapazes e moças, que ali mesmo iniciavam namoro onde saíram muitos relacionamentos duradouros como registra o escritor Roberto Martins no livro Reminiscências de Jequié.
Cenário de muitos personagens marcantes, a Ruy Barbosa reuniu baianos e baianos de acarajé que fizeram história, a exemplo de Lourinho, que era também pai de santo, e chegou a ter simultaneamente cinco tabuleiros de acarajé na área da praça onde trabalharam Zelito Preto e Valdeck, que também se tornaram babalorixás, e Dona Maria, mãe de Isabel, cuja filha mantém a venda de acarajés e abarás no local.
Engraxates de sapatos e botas com suas cadeiras de madeira, fotógrafos conhecidos por retratistas lambe-lambe com suas câmeras-laboratório e outros profissionais da imagem com a produção de monóculos, que traziam réplicas de cavalinhos para o registro e o entusiasmo das crianças; pipoqueiros com seus carros de pipoca e outros vendedores ambulantes com diversidade de mercadorias e produtos; hippies e artesãos com a variedade de peças artesanais entre outros trabalhadores faziam parte do ambiente da praça. Em épocas em que o comício era a principal atividade política, presidenciáveis discursaram na Praça Ruy Barbosa, a exemplo de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e Ulysses Guimarães.
Há exatos 40 anos ocorreu o Comício das Diretas Já na Praça Ruy Barbosa, reunindo grande multidão. Não houve eleições diretas para presidente da República em 1984, mas a campanha das Diretas Já foi decisiva para redemocratização do País após 20 anos de ditatura militar.
O espaço da Praça Ruy Barbosa já foi lugar para finalização das agremiações carnavalescas. Segundo contava o carreiro dos carros de bois, Candido Lima (Seu miúdo cujo apelido não correspondeu a quase dois metros de altura), na década de 1920, durante o Carnaval, se montava uma espécie de aldeia indígena na parte central da praça, com cordões de caboclo e a presença de animais silvestres; barracas de quermesses e parque de diversões do Trezenário de Santo Antônio já foram montados no local.
Ao longo do tempo áreas da Praça Ruy Barbosa receberam apelidos. Uma obra inacabada, que fora projetada pelo arquiteto francês André Saffrey, autor também do projeto arquitetônico em estilo gótico da Igreja Matriz de Santo Antônio de Pádua, onde iria funcionar o Paço Municipal, isto é, o prédio do executivo local, recebeu o apelido de “Colarinho de Saback” em referência ao intendente (como era denominado o prefeito na época) Germiniano Saback, cuja gestão foi responsável pelo início da construção; o lugar onde pessoas de diversas atividades profissionais, adultos e principalmente idosos, se reúnem no final da tarde para discutir sobre política recebeu o nome de “Senadinho”; é provável que por ter uma bela vista da praça, uma espécie de mirante ainda hoje existente, foi denominada a área pelo vocábulo italiano Belvedere. Durante a gestão do prefeito Waldomiro Borges, com a reforma da praça, ganhou a denominação de “Belvedere Germiniano Saback”, tendo sua parte inferior transformado em Terminal de Ônibus Urbano.
Na gestão do prefeito Reinaldo Pinheiro (2005-2008) foi realizada uma reforma da Praça Ruy Barbosa que retirou o tráfego de veículos na área e construiu vários quiosques para venda de comidas e bebidas.
A atual gestão do prefeito Zé Cocá fez uma reforma com a entrega de uma nova praça. Inaugurada em dezembro de 2023, a revitalização possibilitou a construção de um palco fixo, que passou a ser espaço para apresentações culturais da programação da Vila Junina no São João e de diversas outras atividades artísticas durante o ano. A histórica fonte luminosa da Praça Ruy Barbosa voltou ao seu lugar de origem, no alto do Belvedere Geminiano Saback; paisagismo, com a implantação de um moderno sistema de irrigação automática para as áreas verdes, lago com plantas e peixes ornamentais, além da recuperação e construção novos quiosques entre outras obras.

A Praça Ruy Barbosa é o coração da cidade de Jequié. Nela pulsa todos os ritmos e deságuam todas as ruas, avenidas e largos como as águas de todos os córregos, riachos e rios desaguam no oceano.
*Domingos Ailton é escritor, mestre em Memória Social e Documento pela UNIRIO, professor e atual secretário de Cultura e Turismo da Prefeitura de Jequié.
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