A DIVULGAÇÃO DO MEDO

Provisoriamente não cantaremos o amor,

  Que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.

Cantaremos o medo (…).

 

Carlos Drummond de Andrade

 

Ao longo da história, o medo permeou várias áreas da vida humana, razão pela qual ganhou tons, intensidades, interpretações e divulgações distintas. Há diversos estudos que o situam como fator fundamental desde o surgimento do homem, estendendo-se ao enredo mítico grego de Fobos (Medo), à psicologia, à filosofia, até as discussões sociológicas mais recentes, condensadas por Zygmunt Bauman, que veem, entre outras coisas, o Shopping Center como uma construção capitalista para a felicidade do consumo e contra o medo que está do “lado de fora”.

Dentro do amplo contexto histórico-social-cultural do mundo, o medo tornou-se objeto de divulgação, de disseminação, com efeito, antes mesmo de estudos específicos ou generalizantes. Ele estava exposto no alerta aos antigos navegadores sobre os monstros marinhos; na queda ao fim do oceano; no poder da Santa Inquisição; na “necessidade” da Base de Guantánamo; nas manchetes dos jornais sensacionalistas que espetacularizam a difusa e indiscriminada violência urbana; nas declarações ou intenções de guerras; na candidatura e eleição de Donald Trump; nas entrelinhas dos anúncios de condomínios fechados. Divulgá-lo é preciso quando o contexto exige ou quando é grande o interesse sobre a referida ação, principalmente pelo alto valor que detém – mercadológico, político e religioso.

Numa perspectiva semântica, o medo – interno ao homem – pode ser representado por outros termos, a saber: pavor, temor, fobia, terror, pânico. Tais sinônimos direcionam especificidades de um medo uno, considerado inquietação, mal-estar. De modo mais amplo, ele é um sentimento manifesto por inquietações cujas causas são numerosas, mas sempre ligadas ao receio, às regras, à ameaça, ao perigo. Nesse viés, considerando-se a condição interior do medo, é a exteriorização desse sentimento que, concebida na necessidade ou no desejo, confere boa parte de sua reputação.

Possivelmente, a ideia errônea de que há vários medos, no plural, surgiu da diversidade de causas e de consequências relacionadas. Esses dois pontos são, de fato, abundantes. Todavia, faz-se preciso reiterar a unicidade do medo enquanto sentimento. Ademais, no plano singular, ele pode apresentar duas características básicas: atuar como orientação, bússola, alerta ou ordem diante de algumas situações; paralisar, barrar, estremecer, inviabilizar o homem numa dada circunstância. Ambas as características geram reações; a segunda, porém, em determinados contextos, pode findar em atos trágicos, aterrorizantes ou corajosos, mas todos resistentes, combativos, opostos à ameaça.

Nessa conjuntura, é notório que o poderoso medo sempre esteve em destaque. Em escala mundial, as duas grandes guerras foram, talvez, os seus dois principais cartazes. Atualmente, o terrorismo praticado em vários continentes tem sido outro veículo singular dele. Tais fatos configuram sua característica paralisante porque estão ligados diretamente à morte; contudo, também vislumbram a perspectiva do alerta para que não haja outras guerras nem atentados terroristas. Até o terreno artístico apropriou-se da temática em discussão. O medo e seus sinônimos foram, são e serão elementos básicos de grandes obras de arte. Alfred Hitchcock e Edgar Allan Poe, por exemplo, marcaram o cinema e a literatura, respectivamente, com genialidade embebida nesse majestoso sentimento. Em síntese, o medo é uma canção – uma canção universal com perenes particularidades.

Paulo Sérgio Lima – licenciado e especialista em Letras (UESB/JQ); professor de Redação

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