CIDADE, CONTE DO ARCONTE

Raimundo Lopes Matos*

 

O tema proposto será dividido, para fins didáticos e de melhor e maior compreensão ao(à) leitor(a), em três tópicos: “cidade”, “conte” e “arconte”.

Quanto à “cidade”, esta é entendida e compreendida como um pequeno mundo de múltiplas geografias física, humano/social, econômica, política, religiosa etc., legalmente constituída e estabelecida.

Concernente ao “conte” (do verbo contar), este tem o seu foco no contar, historiar, dizer, relatar, delatar, sobre aquele(a) que se propõe a cuidar, administrar, manter, gerir e dinamizar esse espaço supracitado chamado cidade.

Já no que se refere ao “arconte”, este vem da antiga, e muito atual, civilização grega. Esse substantivo tem significados diversos. Contudo, aqui, arconte será tratado como sendo magistrado, governador, autoridade.

Como os substantivos magistrado, governador e autoridade são usados em termos denotativos (reais, concretos…) e conotativos (figurados, metafóricos…), magistrado(a) passa a ser todo(a) aquele(a) que, aplicando a lei ao caso concreto, sentencia estribado(a) no chamado ordenamento jurídico; o(a) governador(a) passa a ser aquele(a) que governa: município, estado, departamento, distrito, província, país; ou, ainda, uma empresa, um partido político, uma associação, um clube, uma religião, e até a própria casa, abrigo familiar, entidade que não dispensa um bom governo.

Não obstante os três tópicos, o texto se centrará, no arconte. Neste, por quê? Porque ele assume, por sua livre e espontânea vontade, respaldado pelos(as) seus/suas concidadãos(ãs) e pela lei, a responsabilidade de gerir uma cidade como uma casa, um lar, um espaço aprazível, de crescimento, de alegria e de felicidade para crianças, adolescentes, jovens, adultos(as), anciãos(ãs).

E, por ser grande essa responsabilidade, essa autoridade (arconte), nesta qualidade, não tem outro modo de ser que não seja paradigma, padrão, modelo. E essa exemplaridade tem que ser tanto em termos éticos quanto em termos morais. Entendida ética aqui como sendo o discurso identificador do bem e do mal e a moral como sendo a funcionalidade prática desse discurso. Prática de não fazer o mal por optar pelo bem. Em síntese: ética no dizer; moral, no fazer

Hoje, no contexto global, vivem-se diuturnamente, as notícias midiáticas reiteradas de ilicitudes dos (‘das’) arcontes. E, vale ressaltar, essas ilicitudes não respeitam etnias, culturas, cores e posições ideológicas: esquerda, direita, centro; práticas que acontecem aqui, ali e alhures; ocorrem nos seguimentos políticas, sociais e, pasmem, até nas áreas religiosas mais fervorosas de diversas tendências e matizes, envolvendo e engolindo pessoas ungidas pelo pai universal.

E essas ações, associações, organizações indevidas, para não chamá-las criminosas, proliferam e se ampliam assustadoramente. E, qual a causa? Talvez não seja sensato apontar a causa, mas uma das causas. Uma dessas causas pode ser a influência de cima para baixo. O poeta chileno, Vicente Huidobro, ao dizer que “El mundo se me entra por los ojos”, está dizendo que o mundo exterior, ao redor, no entorno e no contorno, por repulsão ou por atração, influencia as pessoas.

E, em sendo influenciáveis, as pessoas buscam aproximação direta e ou indireta das pessoas pelos nomes, pelos trajes, pelas marcas que usam, pela importância nos contextos geral e particular de cada um(a). Não é por acaso que pais/mães registram seus/suas filhos(as) com nomes de artisas, esportistas, filósofos(as) e religiosos(as), bem como altas personalidades econômicas, científicas, políticas etc. Assim, confirmam-se os dizeres anteriores que dão conta de que, em grande parte, o ser humano é formado/deformado pelas realidades circundantes.

Aí vem o(a) arconte, o(a) grande magistrado(a), o(a) famoso(a) estadista, a autoridade plenipotenciária, o demiurgo, o(a) iluminado(a). Todos(as) olham para ele(a). Ele(a) é protótipo, Por isso é influenciador para o bem ou para o mal; para o mau ou para o bom. Tudo vai depender do seu modus operandi e do seu modus vivendi.

Quando o(‘a’) arconte e criador(a), mantenedor(a) e promotor(a) da corrupção, por exemplo, muitos(as) que estão em patamares inferiores, influenciados(as), deletam a honestidade, seguindo às pegadas do intocável semideus corrupto.

Com a máxima vênia, o Brasil surge como um grande acervo de maus exemplos. Ilicitudes comprovadas e outras investigadas vertical, horizontal e transversalmente, nos mais diversos domínios públicos, envolvendo políticos e autoridades de diferentes calibres e, quem diria, até professores(as) que sempre defenderam a educação como a solução de todos os problemas. Há pouco tempo, em rede nacional, foi noticiado um caso de uma professora que assaltava, com seu marido, na própria escola em que lecionava; em outra escola (universidade do exterior) dezenas de professores, combinados, manipulavam notas de alunos com os olhos na pecúnia; por último, a imprensa da conta de que vários professores foram presos por fraudarem concursos públicos. Se isso não bastasse, a mesma imprensa revela a prisão de muitos religiosos por fraudarem e se apropriarem, pessoalmente, de recursos da entidade em detrimento dos fiéis.

A ideia explícita e insinuada é de que, se o(a) que está no píncaro do poder e da glória, tendo todas as coberturas financeiras, é corrupto(a), os menos aquinhoados tendem ao “jeitinho”. Afinal de contas, se o capim verde pega fogo, o seco virará cinzas…

Cidade, há arcontes em boa conta. Conte com esses. Delete os demais…

*Sua formação vem de Letras e Direito; é mestre e doutor em Comunicação e Semiótica; é pós-doutor em História Política da América Latina; é membro da Academia de Letras de Jequié; raimundo.matos@yahoo.com.br

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