“A AMÉRICA É PARA OS AMERICANOS…”
Emerson Pinto de Araújo
Simon Bolívar, libertador de cinco países sul-americanos, acalentou o sonho de despertar a solidariedade continental entre os países da América que se libertaram do jugo europeu. Tudo em vão, o Congresso do Panamá, realizado em 1926, resultou no mais completo malogro, com pouco comparecimento das nações libertas e nenhuma decisão importante. Outras tentativas isoladas foram feitas, igualmente sem sucesso.
Em 1815, a Santa Aliança, constituída da Áustria, Rússia e França, contando com a adesão de outras nações europeias, voltou suas atenções bélicas para as terras do continente americano, apoiando inclusive as restituições das antigas colônias ibéricas das Américas à Espanha. Foi o bastante para que, em 1823, o presidente dos Estados Unidos, James Monroe se opusesse à intervenção europeia na América. Nasceu assim a Doutrina de Monroe, opondo-se a toda tentativa de países de outros continentes em assuntos ligados às nações do novo mundo. “A América é para os americanos”, foi o lema adotado. Em contrapartida, os EUA evitariam imiscuir-se nos problemas afetos à política e à economia europeia. Somente quando interesses norte-americanos foram afetados, os EUA houveram por bem participar das duas grandes guerras mundiais.
Até ai, tudo bem. Acontece que, com a expansão da sua economia, as fronteiras econômicas dos EUA ultrapassaram suas fronteiras geográficas, estendendo-se como um todo pelo continente americano. Foi o suficiente para que os EUA se arvorassem em defensor dos países vizinhos, complicando o relacionamento com os mesmos. Oswado Aranha, quando ministro das relações exteriores do Brasil, em plena ditadura do Estado Novo, sintetizou a influência de Tio Sam com a frase: “o pan-americanismo tem muito americanismo e pouco pan”.
A criação da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1948, solidificou mais e mais a liderança norte-americana, fazendo com que, em 1964, a “Aliança para o Progresso” se posicionasse contra a expansão do comunismo na América. Consolidou-se destarte a hegemonia norte-americana na América, com os EUA intervindo na política externa dos seus vizinhos sob pretexto de defender a segurança continental. A intervenção dos EUA em Cuba, por muito pouco não redundou num conflito nuclear, com consequências catastróficas para toda a humanidade. No Brasil, se o presidente João Goulart tivesse enfrentado o movimento militar, os EUA colocariam seu potencial bélico a serviço dos militares brasileiros, o que foi revelado mais tarde pelo Departamento de Estado do governo norte-americano, num documento de 17 páginas.
De tudo isso se depreende que o pan-americanismo, que teve seu momento histórico, desvirtuou-se com o passar dos anos, confrontando-se com o princípio da autodeterminação dos povos. Para agravar a situação, Tio Sam elegeu a pouco um presidente trapalhão, tornando atualíssimo o comentário de Oswaldo Aranha de que, o pan-americanismo tem muito americanismo e pouco pan.
Ainda bem que o monocentrismo das ditaduras de direita e de esquerda está perdendo força com o avanço da tecnologia, transformando o mundo numa aldeia global. Foi assim com o nazi-fascismo, com a União Soviética e outras ditaduras monocêntricas. Atualmente, a China faz concessões que não seriam possíveis na época de Mao-Tsé-Tung e vai preservando o seu autoritarismo de esquerda e expandindo a força de sua economia em outros países, ao invés de aglutinar-se tão somente na expansão da ideologia marxista. Assim, uma nova realidade vai se afirmando, com o policentrismo ocupando o espaço do monocentrismo. Afinal de contas, é bom não perder-se de vista que diversificação é cultura. Resta saber como as coisas ocorrerão a partir de agora, com os conflitos que ocorrem a todo instante, alguns deles resultantes do fundamentalismo religioso. Presentemente, enquanto o fundamentalismo cristão perde forças, admitindo a convivência pacífica com outras religiões, o fundamentalismo islâmico está em alta, aliciando prosélitos no seio dos jovens ocidentais, responsáveis por atentados que eclodem por toda parte, uma vez que a fragmentação do mundo islâmico não diluiu o radicalismo religioso.
E assim, lés a lés, conflitos e acidentes menores que outrora ficavam restritos a um país ou a uma região, assumem proporções maiores depois que o mundo tomou a dimensão de uma aldeia global, pondo em risco a paz mundial, com as grandes potências querendo impor sua hegemonia, haja vista o fato de um presidente norte-americano desvirtuar em favor do seu país a essência do pan-americanismo, almejando impor às demais nações a economia e a política dos EUA. O que poderá resultar num holocausto, levando-se em conta que outros países também dispõem de artefatos nucleares.
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Já tinha concluído o presente artigo, ao correr da pena, com as garatujas que incomodam os digitadores, quando vim a saber que o Departamento de Estado dos EUA liberou mais um documento, revelando que o ex-presidente Ernesto Geisel e seu sucessor João Batista Figueiredo, à sorrelfa, autorizaram a execução sumária de mais de uma centena de opositores da ditadura militar, tidos como perigosos. O que mancha as biografias dos dois generais presidentes.
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